Texto e fotos: Fernando Amorim
Ahh a Serra Fina… Para alguns a travessia mais difícil do Brasil, para outros apenas um mito. Mas e para mim? Um sonho, um desejo ou talvez apenas status? Posso dizer que é um pouco de cada coisa. Todo montanhista já ouviu falar da Serra Fina e justamente por ela ter esse titulo de “a mais difícil”, todos querem tê-la em seu currículo. Além disso, ela passa por dois picos de importância no mundo do montanhismo brasileiro: A pedra da Mina, 5ª maior do Brasil com 2.798m e o Pico 3 Estados, 11ª com 2.665m. Isso explica o desejo e o status, mas e o sonho? O sonho veio junto com a conquista do Morro do Couto e Pico do Marins. A Serra Fina fica entre esses picos e deles é possível ter uma dimensão do tamanho e da beleza desse maciço de montanhas, sendo impossível não se apaixonar por ela.
Eu e Gabriel partimos de São Paulo rumo a Passa Quatro/MG às 19:30, ainda na véspera do feriado de Corpos Christi. Achávamos que iriamos pegar um baita trânsito, mas por incrível que pareça a cidade estava calma e em 3 horas já estávamos em Passa Quatro. Quando descemos do ônibus encontramos André, outro montanhista do nosso grupo e que por acaso estava no mesmo ônibus. Como chegamos bem antes do previsto, saímos pela cidade para dar uma volta e comer/beber alguma coisa. Os moradores estavam fazendo alguns desenhos nas ruas com uma mistura de terra, serragem e pó de café. Muito bonito por sinal.
Paramos no bar Napoleão, comemos, tomamos umas e depois seguimos para o hostel Harpia, onde encontramos o pessoal de Belo Horizonte. Era por volta das 02:00 quando Ju, Fillipi, Samuel, Lorena e Edu chegaram apertados em um Palio. Galera apresentada, demos a ultima geral nas cargueiras e entramos na Kombi que nos levaria até a Toca do Lobo.
Cerca de 40 minutos depois de entrar na Kombi, o motorista parou o carro e disse que dali em diante a estrada estava muito ruim e ele não conseguiria seguir. Estava escuro, frio e já era possível sentir algumas gotas de chuva. Andamos mais 1,5km até chegar na Toca do Lobo. Ficamos um pouco confusos por onde a trilha começava, mas não demorou para o Gabriel ver uma trilha do outro lado do rio. Todos iam atravessando o rio um a um quando a Ju, como tradição, deu um peixinho involuntário na agua. Até hoje, não teve uma trilha onde a Ju não tenha caído em algum rio/poça/córrego. Haha
A trilha segue em uma subida constante por mata fechada, só abrindo depois de meia hora de caminhada. Quando a mata abriu percebi que já estávamos na crista da montanha, lugar incrível, mas que não pudemos aproveitar por conta da escuridão e do clima. Já chovia e as rajadas de vento chegavam a pelo menos 45km/h, fazendo com que a chuva ficasse extremamente dolorosa. Ao tentar olhar para o horizonte você era bombardeado no rosto por gotas que mais pareciam pedaços de gelo. O simples caminhar também ficou bem complicado, éramos obrigados a fazer contra peso para não sermos jogados no chão.
Foi pouco mais de uma hora andando embaixo de tempo ruim até que o céu começasse a clarear e a mãe natureza desse uma aliviada. Com o dia ia clareando, a beleza e a dificuldade que teríamos pela frente foram se revelando. A subida era de tirar o folego, mas como eu sempre digo: devagar e sempre.
Sempre me falaram que a Serra Fina era traiçoeira e eu meio que desacreditava, mas pude presenciar com meus próprios olhos como ela te engana. Quando você acha que está chegando no cume do Capim Amarelo, outra montanha maior surge atrás. Isso ocorreu pelo menos duas vezes antes de realmente chegarmos no cume. Foram 5:30 hrs até realmente chegar no Capim Amarelo.
Após uma pequena parada para reagrupar e curtir o visual, seguimos em frente. A trilha se mantem em uma crista, hora em mata fechada, hora no meio de bambus e hora em capim. Um verdadeiro sobe e desce sem fim, onde tínhamos um grande dilema. Se tirássemos o anorak o capim e os bambus machucavam a pele e se ficássemos de anorak o calor nos castigava. Preferimos ficar de anorak.
Perto da hora do almoço fizemos uma parada maior para comer um lanche, já que estávamos andando desde as 4 da manhã sem ter uma refeição de verdade. Paramos juntos de 3 amigos do interior de São Paulo que encontramos na Pedra da Mina, galera muito gente boa e animada. Eles haviam começado a trilha algumas horas antes que nós e parado para dormir um pouco antes do capim amarelo. Eles bivacaram, mas tiveram azar por que choveu e eles acabaram ficando ensopados. Depois da parada mais longa continuamos rumo a Pedra da Mina.
Conforme o dia foi passando, começamos a nos preocupar com o nosso ritmo. Estávamos andando abaixo da média e como se não bastasse, o Gabriel torceu o joelho. A tarde foi caindo e ainda estávamos longe da Pedra da Mina e do principal naquele momento: da água. Como esperávamos alcançar o cume ainda no primeiro dia de caminhada, contávamos com um reabastecimento no final do dia, mas o GPS dizia que o ponto de água estava a mais de 1,5km em linha reta. Verificamos a quantidade total de água e decidimos acampar no primeiro ponto possível.
Montamos acampamento exatamente 13 horas despois de iniciar a trilha. O sol já estava se pondo e com isso a temperatura caia rapidamente. Achamos uma área boa e bem protegida, porém tivemos que limpar um pouco o lugar para que coubessem todas as barracas. De janta tivemos um ótimo escondidinho de carne seca, mas não consegui comer muito, pois estava com muita sede. Nesse ponto a já água estava sendo racionada, sendo tomada apenas de gole em gole. Todos estavam cansados e por isso fomos dormir cedo.
Dia seguinte perdemos a hora. Começamos a levantar por volta das 07:30 e só fomos andar depois das 09:00, e isso por que saímos sem tomar café da manhã. O tempo estava aberto, o que não colaborou muito para a nossa sede. Logo nos primeiros minutos de caminhada tivemos que parar. Apesar de todo o tratamento que o Gabriel fez no joelho, as dores estavam piores do que no dia anterior. Para aliviar o peso dele, passei tudo o que coube da minha mochila para a dele de 70L e comecei a carrega-la. Ele agora seguia com a minha de 45L. Nessa parada eu e ele decidimos que iriamos abortar pelo Paiolinho, visto que ele não teria condições de andar até o final.
Seguimos devagar até finalmente chegarmos à água. Matei a sede e enchi uma garrafa de água de 1,5L para mim e para o Gabriel. Até então estávamos com a ideia de que iriamos descer nesse mesmo dia para Passa Quatro. Seguimos a trilha já mirando na Pedra da Mina que ficava cada vez mais perto. Durante o caminho o Fillipi nos revelou que estava cansado e que também iria abortar a trilha com a gente. Nesse momento quase fizemos uma cagada que nos custaria muito caro. Fillipi estava com 4L de água e nós insistimos para que ele jogasse a água fora para aliviar o peso. Tínhamos a informação que haveria água 40 minutos e 1:30h depois que começássemos a descer a Pedra da Mina, então não haveria necessidade de levar tanta água. Ainda bem que ele se recusou!
Seguimos subindo a pirambeira e alcançamos o cume depois de apenas 3 horas de caminhada. Edu, Samu, Lorena e André chegaram antes e pegaram o melhor lugar do cume, o que depois chamamos de “resort”. O lugar era tão concorrido que todas as pessoas que passavam perguntavam se iriamos ficar lá ou se desceríamos. Foi ai em que Gabriel, Fillipe e eu percebemos que não tínhamos pressa para chegar a Passa Quatro e que passar a noite ali seria a melhor coisa a fazer. Resolvemos ficar e foi ai que aqueles 4 litros do Fillipi fizeram a diferença. Nos despedidos da galera que continuou, levantamos acampamento e ficamos o resto do dia de bobeira, olhado a paisagem, conversando, fazendo amizade e tomando um solzinho.
Infelizmente fomos cercados por nuvens e não pudemos ver o por do sol, mas fomos totalmente recompensados pela noite calma de céu estrelado. Fizemos miojo com batatinhas e linguiça de janta e que por sinal estava uma delicia. Estávamos curtindo o céu estrelado quando recebemos a visita de ratinhos. Deixamos as panelas sujas para fora da barraca justamente para evitar qualquer tipo de prejuízo na barraca e fomos surpreendidos diversas vezes por barulho deles fuçando nas coisas. Apagamos era por volta das 22:00.
Dia seguinte levantamos por volta das 05:00 para ver o sol nascer e foi um espetáculo! 360º de visão perfeita, nuvens abaixo e nada, além do infinito, acima. O sol nasceu atrás do PARNA de Itatiaia e aos poucos foi iluminando e esquentando a galera que apreciava o momento.
Quando começamos a levantar acampamento, novamente sem tomar café da manhã para poupar água, o nosso vizinho gritou “tem um rato aqui” e saiu da barraca. Foi um momento engraçado para a gente, mas o dono da barraca não deve ter gostado nada, já que o rato abriu um buraco para entrar na mesma. Fillipe logo se ofereceu para pegar o pequeno invasor e o fez sem receio. O ratinho virou atração no alto da montanha. Após a descontração, terminamos de levantar acampamento e sem pressa começamos a descer. Havia nos sobrado cerca de um litro de água para voltar.
A descida pelo Paiolinho seria tranquila se não fosse a falta de água. O sol estava de rachar e logo nos primeiros 30 minutos encontramos uma pequena fonte onde era possível beber água, mas que nem cachorro. Caímos de boca na pequena poça, literalmente. Seguimos descendo e depois subindo. Para abortar pelo Paiolinho você tem que vencer três grandes vales antes de começar a verdadeira descida. Quando estávamos no segundo, a nossa água já estava bem escassa e fomos ajudados por um casal japonês que estava fazendo um bate e volta. A essa hora a boca já estava completamente rachada e quase em carne viva.
Vencemos o ultimo vale e quando chegamos à verdadeira descida encontramos quatro amigos que haviam começado a subir no dia anterior, mas que estavam desistindo de chegar ao cume por falta de tempo. Começamos a descer juntos e novamente recebemos uma bela doação de água. Essa água renovou nossas energias e conseguimos seguir mais tranquilos.
Descemos batendo papo e sem pressa até finalmente chegar na água. Bebi mais de 1 litro em uma golada. Acho que nunca havia sentido tanta sede na vida. Nesse momento a trilha já segue em mata fechada, porem a trilha plana e bem aberta permite caminhar em uma velocidade maior. Por volta das 14:00 paramos para tomar café da manhã. Fizemos algumas tapiocas com queijo e tomate. Ficamos quase uma hora jogando papo fora e relaxando.
A trilha agora era um passeio no parque, muito fácil de caminhar, até mesmo para o Gabriel. Não demorou até que chegamos a um rio maior onde era possível nadar. Depois dessa parada refrescante seguimos caminhando em um ritmo tranquilo até chegarmos a duas pequenas casinhas onde surgiu uma estrada. Seguimos a estrada, passamos por 2 portões onde haviam alguns cavalos e cerca de 20 minutos depois chegamos a estrada principal. De lá ligamos para o resgate. Ainda pudemos ver um lindo por do sol enquanto esperávamos o resgate. A viagem de volta para Passa Quatro demorou cerca de 40 minutos e quando chegamos ao Hostel Harpia encontramos a galera que havia seguido a trilha. Eles haviam a concluído com sucesso. Como estávamos todos bem, saímos para comer uma pizza e comemorar. No dia seguinte ainda rolou outro almoço comemorativo e de despedida, pois era o dia em que todos voltariam para casa.
Conclusão
A Serra Fina mostrou-se ser uma trilha de respeito e que realmente tem suas dificuldades, seja pelo clima, desnível, vegetação ou escassez de água. Mas dizer que é a mais difícil do Brasil que seria exagero. Tudo bem eu não conclui a mesma, mas até onde fui, posso afirmar que se tivéssemos caprichado um pouco mais na logística, o nosso sofrimento com certeza seria menor. Começar a andar as 04:00 da manhã foi desnecessário, assim como tentar conclui-la em 3 dias. A trilha é muito bonita para se passar correndo. O pernoite na Pedra da Mina é mais do que obrigatório.
gostaria de saber se vcs tem algum croqui não da travessia, apenas da subida da pedra da mina
Gostaria de saber mais dicas sobre a trilha, pontos de água e etc. Estou planejando fazer a mesma no feriado de Corpus Christi do ano que vem.
Desde já agradeço.