Como médica, atleta e amante da natureza, posso dizer que faço o que eu gosto, e aproveito esse espaço para dividir com vocês uma nova especialidade médica: A Medicina de áreas Remotas e Esportes de Aventura..
Desde 1982 existe uma organização nos EUA, a Wilderness Medical Society (WMS), que percebeu a necessidade de uma nova especialidade médica, que usasse os mesmo preceitos da medicina convencional, porém que estivesse preparada para os acidentes e as vítimas que estão tão longe de um hospital ou de qualquer centro básico de saúde.
E foi por isso que em 2008, eu e o meu sócio, o Dr. Adriano Leonardi trouxemos esse novo conceito médico para o Brasil.
Mas no ano passado vimos que essa especialidade ganhou força e criamos a ABMAR: Associação Brasileira de Medicina de Áreas Remotas e Esportes de Aventura. A ABMAR é uma organização composta por médicos e voluntários dedicada à promoção de saúde e treinamento dos desafios médicos no ambiente selvagem, ou seja, na montanha, no mar, na floresta, no deserto e em qualquer ambiente da Terra distante de um local construído para o atendimento médico.
Trabalhando com os tópicos médicos “Wilderness”, que incluem medicina de montanha, medicina do mergulho, busca e salvamento, medicina de deserto, medicina de guerra, medicina aeroespacial, ataques de animais selvagens, entre outros, nós somos treinados para fornecer atendimento sob condições extremas, com recursos limitados e em ambientes remotos.
Além de praticar, investigar e ensinar a medicina do meio selvagem, os membros da ABMAR compartilham um senso de aventuras e o amor pelas atividades feitas ao ar livre, profundo respeito pelo meio ambiente e apóiam ativamente o conceito de sustentabilidade ambiental.
Também, com o crescimento dos esportes de aventura nas últimas décadas, muitas pessoas voltaram a se preocupar com os primeiros socorros prestados em condições naturais extremas, longe da civilização e de qualquer centro urbano. Atualmente o a ABMAR é a representante oficial da Wilderness Medical Society (WMS) no Brasil. Para saber mais, acessem: www.abmar.org
Bem, se estou falando um pouco sobre essa novidade, acho interessante contar alguns “casos” de sucesso, que eu, como médica e aventureira, já vivi.
Em 2009 estava gravando a escalada da maior montanha da África, o Kilimanjaro na Tanzânia, com 5.895m. Optamos por fazer uma rota mais curta (Machame Route), mas também que exige um pouco mais do que a rota normal, por onde a maioria das pessoas sobem. Após 5 dias na montanha estávamos pronto para o ataque ao cume: eu, o cameraman principal, o operador de áudio que também operava a segunda câmera e vamos (chamá-lo de CM) e mais 2 guias. Todos animados com o dia de cume e também um pouco cansados já que estávamos gravando na África há mais de 12 dias num ritmo intenso. Às 2h da manhã acordamos para começar a escalar, o vento não ajudava e a temperatura beirava os -20oC. Eu estava carregando apenas meu equipamento pessoal, comida, água e um reduzido kit médico. Já os câmeras estavam carregando seus equipamentos pessoais e mais as baterias e os equipamentos de vídeo. Eu estava logo atrás do guia e atrás de mim vinha o resto da equipe. Após umas 6h de escalada estava nítido que um de nossos câmeras não estava mais acompanhando o ritmo da equipe. Eu, mesmo na função de apresentadora, nunca consigo deixar de lado a minha formação: sou médica e sempre me preocupei com as pessoas que estão ao meu redor e com o que estão sentindo. Tinha parado para pedir ao câmera que se hidratasse e comesse algo algumas vezes. Nesse tempo, perguntei como ele se sentia e ele disse que estava ótimo e que tinha certeza que queria prosseguir. Seu ritmo estava cada vez mais lento, mas ele já tinha subido diversas montanhas e, inclusive, era um guia de montanha e logo sabia o que estava fazendo. Faltando apenas 30 min para conquistarmos o cume ele disse que sua cabeça doía, mas que ia fazer o cume com o resto da equipe, se recusando a descer com o nosso 2º guia para o acampamento.
Por volta das 10h de uma manhã de agosto de 2009 estávamos em pé no topo da África! Gravações, fotos, comemorações, mas nitidamente nosso companheiro de trabalho estava com problemas. Em questão de alguns minutos ele disse que sua cabeça doía demais e não estava agüentando e queria descer, mas foi o tempo de nós dividirmos o peso da mochila dele entre as nossas, guardar nossas coisas e ele começou a falar enrolado, sentou no chão com os braços apoiando a cabeça e então paramos de gravar na hora porque vimos que a coisa tinha ficado grave.
Nosso guia estava carregando a maior parte do nosso peso nas costas. Com uma mochila de 75L totalmente carregada com todo equipamento de vídeo e nosso outro câmera e o 2º guia apoiavam CM e tentavam fazer com que ele descesse rapidamente para uma altitude mais baixa já que ele não conseguia caminhar mais sozinho.
Após 1 hora andando num terreno com muitas pedras, íngreme e carregando uma pessoa de quase 90 kg vimos que não tínhamos perdido altitude suficiente para que CM se sentisse melhor e eu resolvi aplicar a droga de escolha para o Edema Cerebral de Alta Montanha nele. Depois de quase 12h escalando e tendo chegado a 5895m eu também estava cansada e foi difícil conseguir um acesso venoso em uma pessoa coberta da cabeça aos pés numa temperatura baixa daquelas e com um vento que levava pra longe qualquer seringa ou gaze que estava sobre o kit.
Administrei a ampola de Dexametasona de forma intramuscular mesmo e continuamos descendo o mais rápido que conseguimos. Graças a Deus CM se recuperou quando chegamos ao acampamento e fiz a dose de manutenção do corticóide, dessa vez via oral.
Mas foi um susto e uma lição: com montanha não se brinca e altitude não se menospreza. Mesmo se você já teve em altitudes maiores, não significa que você não pode sentir os efeitos do mal de montanha numa próxima vez.
Há alguns anos escalando, mergulhando, trabalhando com medicina, posso dizer que tenho muitas histórias para contar e, isso, só acontece porque eu amo os esportes de aventura e me proponho viajar por esse mundão para praticar o que mais gosto.
Tenho outro caso para contar: Nos 4 últimos anos tive a oportunidade de acompanhar de perto o trabalho de alguns médicos que já estão há muitos anos na clínica que se situa no acampamento base do lado do Nepal do Everest….
Mas, espera, fica para a próxima oportunidade porque acho que já contei muitos “casos” por hoje!
Beijos,
Karina Oliani.
Atleta EMANA, MINI e TNF.
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