Tutoriais e Técnica

Montanhismo, alimentação e hidratação

A alimentação faz mais do que a função básica de suprir o corpo com os nutrientes que ele precisa para desempenhar suas funções corretamente, a alimentação correta contribui também para manutenção do aquecimento corporal e o correto funcionamento do metabolismo – dois itens que não damos atenção e que podem disparar uma série de problemas durante uma aventura mais puxada, ou mesmo nem tão puxada assim.

É normal que o cansaço gerado por uma grande caminhada em ambiente de montanha levando uma mochila cargueira pesada crie um certo desleixo nas pessoas, um desleixo no sentido de que elas dão mais atenção ao cansaço do que a outros fatores importantes como a alimentação e hidratação. Essa desatenção que leva a pessoa a querer montar o acampamento e dormir é a mesma que desgasta silenciosamente o corpo e leva o aventureiro a passar por situações de risco.

qínoa

Eventualmente nossa alimentação se adapta aos costumes locais – carne de lhama e quínua – Bolívia

Alimentação

A alimentação em montanha costuma ser feita de uma forma diferente daquela que temos no dia-a-dia, isto é, as refeições são diferentes, tanto no conteúdo quando na frequência. Obviamente o conteúdo da alimentação não pode ser o mesmo até porque não é possível transportar montanha a cima de forma prática (na maioria dos casos) uma gama de alimentos diferentes. Por isso mesmo a alimentação em montanha se foca em comidas com um transporte e armazenamento mais simples do que aquelas que temos em casa. O fato de não termos uma geladeira restringe muito alguns itens do cardápio. Na questão da frequência das refeições, em ambiente de montanha elas são reduzidas e as mais importantes se concentram geralmente no café da manhã e no jantar. Isso se deve ao fato de que na maioria dos casos não existe tempo hábil para o almoço durante uma caminhada, raras foram as vezes onde eu parei para almoçar no meio do caminho, muito raras.

almoço

As vezes conseguimos almoçar quase como se estivéssemos em casa. Ganhamos uns mantimentos de presente de outro grupo que deixou o Parque do Caparaó

Essa questão somada ao descaso com uma alimentação correta possibilitam o ambiente certo para casos de fraqueza, fadiga muscular, câimbras, desmaios, tontura, pressão baixa, etc. Pequenos e silenciosos problemas de geram problemas maiores… Em ambientes frios a alimentação tem uma função “pouco visível” para alguns: a manutenção do calor corporal e do metabolismo, dois pontos que são prejudicados principalmente pela altitude, no caso das altas montanhas (3000m de altitude ou mais).

Mas com que frequência eu devo comer, e o que eu como?

Em geral, como eu citei antes, temos 2 refeições principais: café da manhã e jantar. No período entre essas refeições estamos em deslocamento, mas nem por isso deixamos de comer. Durante a caminhada são ingeridos pequenos lanches para manter o corpo recebendo combustível. Esses pequenos lanches não devem ser pesados, não são refeições completas, são frutas, barras de cereal, proteínas, salames, gel de carboidrato, biscoitos, chocolates, mel, frutas desidratadas e castanhas… É importante equilibrar os níveis de açúcar e sal durante esses pequenos lanches, não consuma somente itens doces buscando energia imediata, já que isso pode fazer com que sua pressão despenque, e o mesmo vale para os alimentos salgados. Equilibre tudo.

Queijo quente de Rap10

Vai um queijo quente de provolone e Rap10???

O café da manhã é a primeira refeição do dia e uma das mais importantes, pois ela proverá a energia inicial necessária para o deslocamento durante o dia. Sendo assim, não descuide da qualidade do café da manhã. Leite em pó, café, sanduíches de queijos curados ou salame, peito de peru defumado, frutas (banana, laranja e maça são boas opções), biscoitos, mingau (esse item só rola em geral quando a estrutura é maior), granola, sucrilhos, etc… Coma bem de manhã, mas não exagere para não se sentir pesado, lembre-se que depois de algum tempo você estará com os pés no caminho e a mochila nas costas, então não seja guloso!

Café da manhã no camping

Um sanduíche de provolone com peito de peru defumado e alguma água esquentando pro café

Algumas pessoas gostam de comer refeições completas, porém leves, no café da manhã, eu me encaixo nessa regra quando a aventura é mais pesada, eventualmente eu como um macarrão com frango ou carne liofilizados ou desidratados acompanhado de alguma bebida e uma fruta como “sobremesa”… Mas quando faço isso eu evito começar a caminhada logo depois, a menos que ela seja um trecho leve.

NOTA: Comidas liofilizadas tem um grande volume de sódio, portanto não faça delas a base das suas refeições constantemente! E opte por aquela com os menores valores. Sempre compare as tabelas de cada embalagem.

Jantar! Agora é a hora de repor de forma mais séria o que foi gasto durante o dia, essa é uma refeição importante que contribui para a recuperação do corpo, para o aquecimento durante o sono e para geração de uma reserva de energia para o próximo dia de caminhada. Não descuide do jantar. Carboidratos (macarrão, arroz, pão..), proteínas (carnes em geral, leite), cereais e nozes (castanhas, granola, etc), feijão, sopas e afins também vão bem. Uma comida quente e mais gostosa contribui para uma boa noite de sono e uma sensação de “felicidade”, digamos assim, itens importantes para manter a disposição!

Uma grande opção para manter uma alimentação boa e não carregar tanto peso é apelar para as comidas liofizadas, é uma ideia que eu gosto bastante, mas é uma comida diferente e precisa de adaptação. Uma dica boa é comprar itens separados, ou seja, arroz, frango desfiado, feijão, etc, e junta-los com a alimentação normal. Recomendo o feijão e o frango desfiado da Liofoods, bem como ovos mexidos e arroz – eles mudaram o cardápio há algum tempo, mas muitos itens ainda podem ser encontrados nas lojas. Essas comidas mais “técnicas” podem ser compradas em muitas lojas de camping e montanhismo. Se você quiser experimentar vale a pena ver este vídeo nosso que mostra como preparar as comidas liofilizadas.

comida para uso outdoor

Comida liofilizada, opção de jantar em um dia de preguiça em La Paz. O feijão matou as saudades de casa!

Existem receitas práticas e que não agregam tanto peso assim na mochila, elas funcionam bem como um diferencial e aumentam a “moral” durante aventuras mais pesadas, uma ótima referência para essas receitas é o site Cozinha na Mochila.

Hidratação

A hidratação tem como função principal manter a reposição de líquido e sais minerais no organismo, isso se dá através da ingestão de água e bebidas isotônicas (repositores), basicamente. A manutenção do nível hídrico do corpo evita a desidratação e ajuda na manutenção da temperatura corporal, através da eliminação do suor – entre outras coisas.

Diferentemente da comida, a água deve ser reposta constantemente ao longo do caminho. Beba pequenos goles de tempos em tempos e não aguarde morrer de sede para ingerir algum líquido. O ideal neste caso é ter um camelback (bolsa de água com mangueira) na mochila ou mesmo garrafas. No caso das garrafas mantenha uma pequena de 500ml-1L em algum lugar ao alcance das mãos.

Camelback

Mangueira do sistema de hidratação em uso durante uma travessia em Itatiaia

Em alta montanha, onde não existem fontes de água, a obtenção de líquido se dá através do degelo da neve. Esse degelo oferece dois contratempos: você não sabe quais são as bactérias presentes no ambiente e a água do degelo não possui sais minerais. Para resolver o primeiro ferva a água sempre e depois deixe ela resfriar um pouco, já no segundo caso, adicione algum repositor eletrolítico (Gatorade, Suum, etc) em pó ou pastilha. Na ausência desses repositores apele para um suco em pó, desses de saquinho.

Obtenção de água na alta montanha

Descongelando neve para conseguir água, aos 5300m na Bolívia

Um fator importante relacionado com a hidratação e que não deve ser negligenciado é a qualidade da água. Essa questão afeta diretamente aventuras maiores, onde a pessoa passa dias em um ambiente sem água tratada. Ao captar água dê preferência a fontes de água doce correntes – rios, cachoeiras, córregos… Evite ao máximo usar água de fontes paradas, como poças. Se isso não for possível tente filtrar a água usando um pano limpo – isso elimina as impurezas maiores mas ainda assim não garante a qualidade da água. Após a filtragem básica ferva a água, espere ela esfriar e adicione um ou mais comprimidos de Clorin ou algumas gotas de Hidrosteril, de acordo com a quantidade de água.

Em muitos lugares, principalmente parques e locais onde existem pessoas acampando ou morando perto é recomendado um cuidado extra até mesmo com a água corrente. Em casos assim adote os mesmos procedimentos de fervura e esterilização que recomendei acima.

Manter uma hidratação adequada é fundamental até mesmo em caminhadas menores, porém nos trekkings grandes e em alta montanha ela ganha um fator extra de importância. Na alta montanha ela contribui para que o mal da montanha não se instale de forma mais rápida, já que a perda de líquido e o metabolismo humano são afetados diretamente pela altitude. Se aqui embaixo nós temos uma recomendação de 3 litros de água por dia em um ambiente de alta montanha essa recomendação facilmente dobra, podendo ir de 5 a mais litros de água diariamente.

Uma informação muito importante é que bebidas alcóolicas não devem ser ingeridas em ambiente de montanha, principalmente as mais fortes (vodka, whisky, cachaça e afins) sob o pretexto de “se aquecer”. O álcool em quantidade desidrata ainda mais o organismo.

Trekker, montanhista, mochileiro e ciclista. Pratica esportes outdoor desde 1990. Apaixonado por equipamentos, fotografia, viagens, ciclismo, cerveja e tecnologia.

5 Comentários

  1. Mario gostei muito das dicas do seu relato.
    Estou indo em julho fazer o Caminho da Luz e finalizar subindo o Pico da Bandeira-Caparaó.
    Vir que vc ja esteve por lá, eu gostaria de ter dicas de alimentação, equipamentos etc, e se é possivel formar grupo apartir do camping para irm ate o pico, pois, estou indo sozinho.
    Obrigado.
    Calixto
    edical9@gmail.com

    1. Calixto não descuide dos equipamentos de frio lá, inclusive gorro e luva. No alto do Bandeira é muito frio e venta muito. Fleeces e anorak são importantes. Quanto a alimentação, ela segue o normal de qualquer camping, nada em especial. Essa coisa de se juntar com algum grupo vai depender de quando você vai, nos finais de semana será fácil mas estará bem cheio. Eu fiquei baseado no Terreirão e durante a semana meu grupo ficou sozinho, mas a partir de sexta lotou. Abs e boa trip.

  2. Gostei muito da elucidação dos assuntos referentes à alimentação. Mas uma dúvida muito recorrente é onde encontrar alimentos liofoods? Eu até acho, mas os alimentos mais antigos que, segundo alguns Reviews, tem uma sabor menos agradável que os novos produtos Liofoods. Poderia me indicar, por favor?

    1. Oi Filipi. Você encontra em boas lojas de camping/montanhismo. E em lojas online também. No site da Nautika (http://www.nautikalazer.com.br/) tem para venda, bem como nas lojas: Alta Montanha (https://lojaam.com.br/catalogsearch/result/?q=liofoods&cmid=c0ZEVGpmQkZMZDQ9&afid=aktZWklSQ2RxVVE9&ats=Tmw2R1AxT2pXdDA9) ou Adventura (http://www.adventura.com.br/catalogsearch/result/?q=liofoods&x=0&y=0), entre outras. Abs!

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